VAMPIRO

Lúcio Manfredi

Eu sobrevôo você feito um vampiro e te derrubo no chão com um golpe. Você bate a nuca no tampo da mesa ao lado, cai como um monte de merda úmida no piso sinteco do bar, olhos esbugalhados, um passeio pelo lado selvagem. A piranha loira que estava sentada na mesa pula pra trás com um grito, o peito livre ainda balançando pra fora do vestido aberto, enquanto seu acompanhante desaparece antes que alguém o note, covarde típico, rato rastejando para as sombras. Mas ele não precisa ter medo, eu não sou detetive, tô cagando e andando pro que ele faz, meu negócio é com você. Os fregueses do bar se reúnem num círculo ao nosso redor, curiosos, aterrorizados, confusos. Ninguém vai fazer nada, claro, eles me conhecem, não quem mas o quê. Pode ser que este ou aquele resolva que tem o dever cívico de chamar a polícia, mas quem disse que ela não me quer aqui?

Me debruço sobre teu corpo inconsciente, estendo a mão espalmada sobre o teu rosto. Meu dedo médio crava-se na tua testa, um fio reluzente penetra crânio adentro até conectar o biochip implantado no cérebro e acessar as redes sinápticas que te mantêm vivo, verme das sombras, insignificância asquerosa que eu odeio mais do que tudo neste mundo farto de tudo que se pode odiar. Se eu te dissesse como é indescritível o prazer que experimento ao devassá-lo desse jeito, você não ia acreditar. Foi pra escapar desse círculo medíocre e insípido onde você e os outros como você rastejam que eu me tornei o que eu sou. Eu não me importaria de agir de graça, só pelo gozo excruciante de sentir os teus ossos se quebrando entre as minhas garras, a carne liqüefeita escorrendo sangrenta pelos meus dedos, às vezes tenho vontade de lamber, só pra sentir o gosto de tua morte com meus sentidos upgradados. Mas preciso me concentrar, estou sendo pago e meu pretexto é te punir para recuperar o produto de um roubo.

A informação flui pelo meu sistema nervoso central num saboroso gorgolejar. A maioria, porém, é a inutilidade que se poderia esperar, até lembranças das tuas férias em família, férias em família! dá pra acreditar? Finalmente encontro o que estou procurando, embalado pelo odor de sucos vaginais e frames caleidoscópicos de peitos e vulvas, você atribui conotações sexuais à violação de sistemas de informações e isso é ainda mais patético do que a tua fotografia de chefe de família posando pra si mesmo na praia, ao lado da esposa rechonchuda e do casal de filhinhos que crescerão para tomar o lugar dos pais na hierarquia da imbecilidade humana. Isolo os memobytes que me importam, retiro as camadas de associações freudianas que envolvem a informação roubada e copio-a para o meu próprio sistema. Agora é a hora em que eu devia te matar, mas o contrato não exige e com o tempo acabei descobrindo uma forma de satisfação espiritual com a qual o estalar dos ossos e o jorrar do sangue nem se comparam. Antes de desfazer a conexão, inoculo teu hipotálamo com um vírus que vai deletar todo o teu córtex cerebral e implementar a atividade do complexo-R. Aos poucos, você vai esquecer quem é. Tua vidinha medíocre e tua família sem graça se tornarão alguma coisa vagamente lembrada de uma encarnação anterior e você vai se reduzir a uma massa de impulsos primários, desejo e agressividade, um feixe indistinto de ódio e rancor. Como eu.